quinta-feira, janeiro 6

Jaz sepultado.

Os ventos que vêm do leste da cidade não são mais poeirentos, mas gelados. E tem chovido tanto que eu posso usar isso como desculpa para nunca ter que sair. Mas a verdade é que não tenho que sair pra lugar nenhum. Minhas saídas de casa resumem-se a idas ao Centro de Artes buscar filmes que possam entreter-me durante algumas horas do dia. Não recebo visitas ou telefonemas, não tenho mais tanto acesso à internet quanto antes, e continuo sofrendo com dores de cabeça crônicas e diárias. Uso antidepressivos para dormir à noite e seguir dormindo até a metade da tarde do dia seguinte, pelo menos. Alimento-me quando tenho dinheiro pra comprar comida pronta, pois cozinhar exige um ânimo que eu não tenho. Às vezes fumo pra passar o tempo. E sempre penso. Penso bastante, não há trégua na minha cabeça. Penso sobre como tentei arduamente não me incomodar com a indiferença daquelas pessoas pelas quais eu daria a vida, com a culpa de não saber lidar com o afeto que posso dar e também aquele que me é entregue. Sobre como tentei conversar, mas não soube falar uma só palavra coerente. Penso sobre o tempo que perdi tentando criar alguma perspectiva para este ano, tentando enxergar através das nuvens negras e espessas que encobrem meu futuro. Penso que foi em vão querer reagir aos sentimentos de inutilidade e vazio e dor, muita dor, muito mais dor do que eu podia esperar, até ver que estava interpretando um papel que não cabia a mim. Penso sobre a escola que acabou ano passado e o curso técnico que me espera daqui a dois meses. Ver que existem pessoas depositando suas expectativas sobre mim é assustador. Queria poder advertir a todas elas sobre essa minha capacidade de decepcionar qualquer um que se atreva a esperar algo de mim. É duro ver que as pessoas têm condições para enterrar o passado e recomeçar suas vidas com novos pensamentos de progresso e evolução, apesar do ano passado ter sido cruel com todos nós, em muitos aspectos. É duro, porque pra mim nada vai mudar. New year, same shit. Incomoda saber que as pessoas continuam seguindo com suas vidas. Seguindo sem mim. Seguindo muito bem, obrigado. Com seus amores e conquistas que desejaram por tanto tempo, com suas novas companhias risonhas e novas alegrias merecidas. Gostaria que não sofressem mais. Que esquecessem que eu existo, para não terem que lidar com o desconforto de lembrar de algo que foi deixado para trás. Algo. Eu penso sobre o impulso vital que perdi, e "o que falta para eu dar um basta nessa vida de merda que insisto em levar?" Já estou condicionada a pensar sobre nadas e tudos, e também não acredito que essa tristeza um dia possa sair de mim. Dou risadas por não ter havido uma única vivalma que pudesse me desejar algo como - Feliz Ano Novo. O ano começou e vai seguir seu percurso independente de meus protestos, essa é a verdade. É ridículo eu nunca estar pronta pra nada novo. É ridículo que minhas lágrimas sejam tão quentes quando por dentro eu estou completamente endurecida.
Da estreita janela do meu quarto eu não vejo muita coisa e nem posso sentir os ventos que se deslocam de um lado para outro nessa cidade, levando e trazendo promessas e abandonos de todas as idades e cores. Não espero nada desse novo ano. Não espero nem mesmo que o clima agradável que está fazendo nesta época, dure muito mais. Sei exatamente o que terei: novos afazeres que eu não poderei concluir. Minha casa está desorganizada porque ainda não sei me virar sozinha e tampouco larguei o hábito de procrastinar. Minha cabeça está desorganizada também, mas é bom quando chove e eu adormeço num travesseiro no chão frio, e não preciso dar ouvidos à realidade. Realidade que é só uma. Os anos podem passar à vontade. Nada aqui dentro tem solução.

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