Seu amigo disse que seu braço era algo realmente feio. Olhar pra ele era mais do que vergonhoso. Será que ele fazia ideia da sensação que precede um corte? Quando o objeto reluzente se aproxima da pele, e a toca como em um beijo delicado, quando a faca reconhece a pele e deseja encontrar seu interior. Esse momento é o mais dolorido. O corte nunca dói tanto quanto o toque frio da lâmina sobre a pele. Outro dia estavam conversando e ele lhe arranhou levemente o pulso. O outro reclamou, mandou-o pr'aquele lugar. Foi tão de leve; será que ele reclamaria também se soubesse da vez em que ele, atordoado e exausto, estava debaixo do chuveiro e chorava, e chorava com aquela violência que a privacidade proporciona; chorava e nem sabia mais o que era lágrima, o que era água, só sentia que suas unhas arranhavam todo seu rosto com uma brutalidade incomum porque naquele momento ele só era um animal furioso consigo mesmo?
Olhou no espelho e percebeu que usava uma camisola. Era tão magro e de perfil tão lânguido que poderia facilmente ser uma garota, com aqueles traços tão ambíguos. Ele sangrava nos braços, e não havia Deus, nem inferno, nem amigo algum para lhe ajudar agora.
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