Imprevisível como um mundo apressado sem meteorologia. Não consigo pensar em prólogos, mas já tenho todo um epílogo sangrento. Sim, sangue. Cálido e doce sangue, advindo da tristeza e da pureza corrompidas, que jorram de mim como jorrariam de um condenado a sacrificar e renunciar a tudo que ama, até o fim de seus obscuros dias. Não posso dizer quando foi que a borra cor de vinho - ora timidamente fina, ora espessa - me atraiu pela primeira vez, me atraiu como algo romântico. Rostos exangues me deixam a fantasiar sobre a quantidade maravilhosa do simbólico líquido vital que escondem sob sua belíssima palidez cadavérica. Sou mesmo uma romântica mórbida, e nada posso fazer senão aceitar que sempre verei beleza no sofrimento e no amor doentio. Estou velha no território das emoções. Como um Cristo açoitado e humilhado, também posso aceitar a dor e fazer da resignação uma virtude minha, pois sei que o que vem sobre mim é necessário. Então acabei protegida nas sombras, distorcida após tanto tempo enclausurada dentro de mim mesma e superficialmente feliz. Como me irrita não conseguir reunir fragmentos suficientes de memória, não poder formar nem mesmo um enredo pobre e curto a partir de devaneios esquecidos. E eles são tantos e tão grosseiros, incisivos, como rochas tão firmes ao solo, que não se pode retirá-las do lugar, mas que no entanto têm uma superfície muito lisa. Também não posso contar os dias em que me privei de sentir o ar matutino enchendo-me os pulmões como um combustível moderadamente adulterado. E agora que substâncias somente conhecidas por meu pedantismo entram em colapso dentro de algum compartimento escuro em meu cérebro, eu gostaria de poder enxergar a minha ausência como algo material e palpável, e não como um borrão sanguinolento cuspido e deixado para manchar profundamente os lençóis imaculados que me cobriam horas atrás.
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