quarta-feira, setembro 14

Sobre manhãs que não me aceitam de volta.

Imprevisível como um mundo apressado sem meteorologia. Não consigo pensar em prólogos, mas já tenho  todo um epílogo sangrento. Sim, sangue. Cálido e doce sangue, advindo da tristeza e da pureza corrompidas, que jorram de mim como jorrariam de um condenado a sacrificar e renunciar a tudo que ama, até o fim de seus obscuros dias. Não posso dizer quando foi que a borra cor de vinho - ora timidamente fina, ora espessa - me atraiu pela primeira vez, me atraiu como algo romântico. Rostos exangues me deixam a fantasiar sobre a quantidade maravilhosa do simbólico líquido vital que escondem sob sua belíssima palidez cadavérica. Sou mesmo uma romântica mórbida, e nada posso fazer senão aceitar que sempre verei beleza no sofrimento e no amor doentio. Estou velha no território das emoções. Como um Cristo açoitado e humilhado, também posso aceitar a dor e fazer da resignação uma virtude minha, pois sei que o que vem sobre mim é necessário. Então acabei protegida nas sombras, distorcida após tanto tempo enclausurada dentro de mim mesma e superficialmente feliz. Como me irrita não conseguir reunir fragmentos suficientes de memória, não poder formar nem mesmo um enredo pobre e curto a partir de devaneios esquecidos. E eles são tantos e tão grosseiros, incisivos, como rochas tão firmes ao solo, que não se pode retirá-las do lugar, mas que no entanto têm uma superfície muito lisa. Também não posso contar os dias em que me privei de sentir o ar matutino enchendo-me os pulmões como um combustível moderadamente adulterado. E agora que substâncias somente conhecidas por meu pedantismo entram em colapso dentro de algum compartimento escuro em meu cérebro, eu gostaria de poder enxergar a minha ausência como algo material e palpável, e não como um borrão sanguinolento cuspido e deixado para manchar profundamente os lençóis imaculados que me cobriam horas atrás.

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