quinta-feira, outubro 25

Trapeada: pequeno relato de como eu engoli você.

Foi numa noite abafada de setembro que eu abri minha gaveta de retalhos de cetim, depois de semanas fingindo que não tinha que arrumar o amontoado de pano rasgado. Tateei pacientemente até encontrar a sua última carta, a única de quatorze que eu não rasguei e mastiguei. E eu fiquei pensando, em como era gozado o fato d'eu ter guardado aquela lá, justo aquela folhinha rota, embaixo dos pedaços de tecido, coisas que já foram usadas e foram bonitas um dia; mas agora jaziam abandonadas. Foi a porra da sua imaturidade e a porra da minha tristeza infindável que fizeram tudo virar uma porra de um retalho inútil. É, foi isso. Era uma poesia cafona em caneta-fruta, que você costurou no papel, do jeito que eu te ensinei a fazer, ponto por ponto e sem nenhum rasguinho de principiante. Aí eu me senti orgulhosa do tanto que você aprendeu comigo e do quanto eu mudei por você. E mastiguei aquela carta também, sentindo seus dedos costurando em mim por dentro, eternizando a poesia cafona em que você assinava como o Grande Impalador. E foi bem naquela noite veranil, cheia de ruídos no silêncio, que eu me alimentei dos restos manuscritos do nosso quase-amor, digeri a nós duas, e minha gaveta estava pronta para cartas novamente.

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