Foi numa noite abafada de setembro que eu abri minha gaveta de retalhos de cetim, depois de semanas fingindo que não tinha que arrumar o amontoado de pano rasgado. Tateei pacientemente até encontrar a sua última carta, a única de quatorze que eu não rasguei e mastiguei. E eu fiquei pensando, em como era gozado o fato d'eu ter guardado aquela lá, justo aquela folhinha rota, embaixo dos pedaços de tecido, coisas que já foram usadas e foram bonitas um dia; mas agora jaziam abandonadas. Foi a porra da sua imaturidade e a porra da minha tristeza infindável que fizeram tudo virar uma porra de um retalho inútil. É, foi isso. Era uma poesia cafona em caneta-fruta, que você costurou no papel, do jeito que eu te ensinei a fazer, ponto por ponto e sem nenhum rasguinho de principiante. Aí eu me senti orgulhosa do tanto que você aprendeu comigo e do quanto eu mudei por você. E mastiguei aquela carta também, sentindo seus dedos costurando em mim por dentro, eternizando a poesia cafona em que você assinava como o Grande Impalador. E foi bem naquela noite veranil, cheia de ruídos no silêncio, que eu me alimentei dos restos manuscritos do nosso quase-amor, digeri a nós duas, e minha gaveta estava pronta para cartas novamente.
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