quinta-feira, novembro 29

O delírio é uma pachorra.

É, passou tempo. E olha, foi um tempo-montão. Aquele tempo-tempo em que a gente nem dá bola para o amanhecer à nossa frente. E ele é tão simbólico que a gente até adora desprezá-lo. E aí ele vai morrendo, o cheiro da tarde desaparece, fica o calor da noite, mas que não é eficaz o suficiente pra derreter o nosso velho vazio que acorda todos os dias junto com a aurora.

Ele ainda me ama. E todos os dias, com o corpo e mente em frangalhos, eu penso no amor dele por mim e decido que não vou morrer ainda.

Quando eu cresci, e eu não sei apontar exatamente quando foi isso, tive meia dezena de convulsões por noite. Sentia-me como um cão raivoso sendo domesticado. Eu me encolhia, eu estava terrivelmente envergonhada por existir. Queria voar e libertar-me daquele sono embebido em gordura. Não conseguia, mesmo persistindo dia após dia. Aí eu me feria e aquilo me regozijava, porque eu sabia exatamente como me punir. Tinha quinze anos quando senti vontade de beijar o asfalto e lhe manchar com a minha vida esvaindo-se em vermelho-rubro. Eu não gostava do tom de voz do meu apóstolo, eu era refém de um deus de mármore e eu colecionava traumas e glórias.

Quando eu lembro das longas dedicatórias enfadonhas que escrevi e do quanto mendigava por uma frase de afeto, sinto-me fracassada ao saber que precisamente hoje, pouco daquele excitante dramalhão sujo é injetado na minha vida.

Desde que viciaram-me em violência, são os resquícios da Infecção que adoçam meu café da manhã depois do alvorecer perdido, e olha só, Cristo, é uma puta refeição. Há um sofrimento para cada vez que eu alargo os lábios em prol de uma gargalhada honesta. Ah, sou feita de agulhinhas incadescentes.

Mas a maior prova que Deus existe ainda é haver amor o bastante para me curar e me fazer esquecer cicatrizes de um tempo que passou, mas é um tempo que eu ainda vivo.

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